segunda-feira, agosto 07, 2006

O Grito

Pegu
ei o café que minha esposa deixou em cima da mesa e fui pegar o jornal na porta. Ler jornal é uma atividade que revigora a vida do homem moderno. Admito que é uma atividade meio prepotente, pois saber o que acontece no mundo dá uma sensação de que naquele momento você é Deus, sabe de tudo que acontece e sabe de todos.
Enfim, fui pegar o jornal. Abri a porta, peguei o jornal, respirei profundamente e espreguicei-me. Não sou uma pessoa muito detalhista, mas uma coisa me chamou atenção. Morava exatamente na rua dos Colibris nº 36. E agora? Segundo a placa, morava na rua YN-15. O que seria esta sigla? YN-15?
O pânico começou aflorar em meu corpo. Reparei que a minha rua não era mais a mesma, que minha casa não era mais a mesma e por incrível que pareça: eu não era mais o mesmo. Fui ver a placa mais de perto, passei a mão, ela havia se transformado em um borrão de tinta.
Muitos podem pensar que estou bêbado, drogado ou até insano. Mas se estivesse bêbado ou drogado estaria viajando no céu com diamantes de Lucy, se estivesse insano as minhas incoerências seriam coerentes.Talvez fosse um sonho. Sim, um sonho! Belisquei-me, mas não tinha mãos. Apenas foram transformadas em borrões, assim como o meu corpo que foi transformado em borrões de tinta.
Olho para o lado e vejo um enorme pincel, definindo e definhando tudo ao seu redor. Como uma lâmina, o pincel manchou os rastros inscritos pelo destino por onde passou. Olhei para o céu, pois ele é o grande ponto de encontro dos poetas e dos desesperados. Só que o céu estava caindo, aquela pluralidade de cores caindo em cima de mim só me deixou mais agoniado e sem rumo.Dos meus sentimentos amórficos, sobrou apenas o pânico e o medo. Com os resquícios de vida que batiam no meu corpo, vi duas pessoas. Aproximei-me, mas elas não tinham rosto, eram apenas traços. Numa tentativa desesperada, corri e dei um grito oco e sustenido. E, nesta hora, o tempo parou.